domingo, 30 de maio de 2010

O Ritual do Corpo Entre os Sonacirema



 
O Ritual do Corpo Entre os Sonacirema

 
(...) Os Sonacirema são um grupo americano do qual pouco se sabe quanto a sua origem, embora a tradição mítica afirme que eles vieram do leste.
A cultura Sonacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que se beneficiou de um habitat cultural muito rico. Embora a maior parte do tempo das pessoas, nesta sociedade, seja devotada à ocupação econômica, uma grande porção dos frutos destes trabalhos e uma considerável parte do dia são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante dentro do ethos deste povo. Embora tal tipo de preocupação não seja realmente pouco comum, seus aspectos cerimoniais e a filosofia aí implícitas são únicos.
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do ser humano é evitar essas características por meio do uso de poderosas influências do ritual e da cerimônia. Todo grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm vários santuários em sua casa e, de fato, a riqueza de uma casa é frequentemente aferida em termos da quantidade dos centros de rituais que abriga.
Embora cada família possua ao menos um destes santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mas sim privados e secretos. Os ritos normalmente só são discutidos com as crianças, e isto apenas durante a fase em que elas estão sendo iniciadas nestes mistérios. Eu pude, entretanto, estabelecer com os nativos uma relação que me permitiu examinar este santuário e anotar a descrição destes rituais.
O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nesta arca são guardados os inúmeros feitiços e poções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais feitiços e poções são obtidos de vários profissionais especializados. Dentre estes, os mais poderosos são os curandeiros, cujos serviços devem ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as poções curativas para os seus clientes, decidindo apenas os ingredientes que nelas devem entrar, escrevendo as em seguida em urna linguagem antiga e secreta. Tal escrito só pode ser decifrado pelo curandeiro e pelos herbanários os quais, mediante outros presentes, fornecem o feitiço desejado.
O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, mas sim é colocado na caixa de mágica do santuário doméstico. Como estes materiais mágicos são específicos para certas doenças, e considerando-se que as mudanças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa de mágicas costuma estar sempre cheia. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem seu uso original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado vagos em relação a essa questão, só podemos concluir que o costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos vem da idéia de que sua presença na caixa de mágica, diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegerá de alguma forma o fiel.
Embaixo da caixa de mágicas existe uma pequena fonte. Todo dia cada membro da família, em sucessão, entra no quarto do santuário, curva a cabeça diante da caixa mágica, mistura diferentes tipos de água sagrada na fonte, realiza um breve rito com a água. As águas sagradas são obtidas no templo da água da comunidade, onde os sacerdotes conduzem elaboradas cerimônias para manter o líquido ritualmente puro.
Na hierarquia dos profissionais da magia, abaixo do curandeiro em termos de prestígio, estão os especialistas cuja designação é melhor traduzida por "homens da boca sagrada". Os Sonacirema tem um horror pela boca e uma fascinação por ela que chega às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Não fosse pelos rituais da boca, os Sonacirema acham que seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas mandíbulas encolheriam, seus amigos os abandonariam e seus amantes os rejeitariam. Eles também acreditam na existência de uma forte relação entre características orais e morais. Assim, por exemplo, existe uma ablução ritual da boca das crianças que se considera como forma de desenvolver sua fibra moral.
O ritual do corpo quotidianamente realizado por todos inclui um rito bucal. Apesar de

 

 
sabermos que este povo é tão meticuloso no que diz respeito ao cuidado da boca, este rito envolve uma prática que o estrangeiro não-iniciado não consegue deixar de achar repugnante. Conforme foi-se descrito, o rito consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas na boca, juntamente com certos pós mágicos, e em seguida na movimentação deste feixe segundo uma série de gestos altamente formalizados.
Além deste rito bucal privado, as pessoas procuram um homem da boca sagrada uma ou duas vezes por ano. Estes profissionais possuem uma impressionante parafernália, que consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso deste objeto no exorcismo dos perigos da boca implica em uma inacreditável tortura ritual do cliente. O homem da boca sagrada abre a boca do cliente e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Materiais mágicos são então depositados nestes buracos. (...) Na imaginação do cliente, o objetivo destas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito fica evidente no fato de que os nativos retornam todo ano ao homem da boca sagrada, embora seus dentes continuem a se deteriorar.
Deve-se esperar que, quando um estudo intensivo dos Sonacirema for feito, seja realizada uma pesquisa cuidadosa sobre a estrutura de personalidade deste nativo. Basta observar o brilho nos olhos de um homem da boca sagrada, quando ele enfia uma agulha em um nervo exposto, para que se suspeite de que uma certa dose de sadismo está presente. Se isto puder ser verificado, uma configuração muito interessante emergirá, posto que a maioria da população mostra tendências masoquistas bem definidas. Era a tais tendências que o Professor Linton se referia, ao discutir uma parte especial do ritual cotidiano do corpo, que é apenas realizada pelos homens. Esta parte do rito envolve uma arranhadura e laceração da superfície do rosto por meio de um instrumento cortante. Ritos femininos especiais ocorrem somente quatro vezes por mês lunar, mas o que lhes falta em frequência lhes sobra em barbárie. Como parte desta cerimônia, as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O ponto teoricamente interessante é que um povo dominantemente masoquista desenvolve especialistas sádicos.
Os curandeiros possuem um templo imponente, o Latipsoh, em cada comunidade de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de pacientes muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras do templo com uma roupa e penteados distintos. As cerimônias Latipsoh são tão violentas que chega a ser fenomenal o fato que uma razoável proporção dos nativos realmente doentes que entram no templo consiga curar-se. (...)
As cerimônias, como os já citados ritos do homem da boca sagrada, implicam em desconforto e tortura. (...) De tempos em tempos os curandeiros vêm a seus pacientes e atiram agulhas magicamente tratadas em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou possam mesmo matar o doente, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.
Ainda resta um outro tipo de especialista, conhecido como um "escutador". Este feiticeiro tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas que foram enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais fazem feitiçaria entre seus próprios filhos. As mães são especialmente suspeitas de colocarem uma maldição na criança, enquanto ensinam a elas os ritos corporais secretos. A contra-magia do feiticeiro "escutador" é singular por sua relativa ausência de ritual. O paciente simplesmente conta ao "escutador" todos os seus problemas e medos, começando com as primeiras dificuldades de que pode se lembrar. (...)
Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo a às funções naturais. Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para fazer os seios das mulheres maiores, se eles são pequenos, e menores, se eles são grandes. Uma insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hipermamário são tão idolatradas que podem viver muito bem por meio de simples viagens pelas aldeias, permitindo aos nativos admirá-las diante de uma taxa. (...)

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